Filhos escravos
Em vez de escravos, precisamos ensinar a nossos filhos que viver é tornar real a si mesmo, realizar-se.
Na praça de alimentação de um shopping em Curitiba, ouvi uma conversa interessante entre duas mamães:
– Nossa, eu amo tanto meus filhos, faria tudo por eles!
– É, sei como é. A gente baba em cima deles, né? O meu menino disse que quer ser engenheiro, e minha filha, bailarina. Nossa, quase desmaiei de alegria. É tudo de bom, né?
– Se é… Eu tentei colocar minha filha no balé, mas ela não quis saber. Odiou. Tive que me contentar com futebol. Acredita? Uma menina jogando futebol! Meu marido está adorando, mas eu estou arrasada. Ela teimou até conseguir que a gente a matriculasse na escolinha de futebol. Eu sempre quis dançar, mas era muito gordinha. Minha filha pode e não quer. Frustrante!
– Ai, menina, eu fiz a cabeça da minha filha. Mostrei os vestidinhos lindos, fiz a maior propaganda, aí ela aceitou. O menino quer ser como o pai, engenheiro. Já ganhou até uma calculadora do avô. Nem sabe pra que serve direito, mas tá lá, junto com os brinquedos dele.
E a conversa continuou, enquanto me lembrei de uma frase de Aristóteles: “Escravo é aquele que não se pertence, mas é de outra pessoa”. Essas crianças, à medida que vivem como realização dos desejos de suas mães ou pais, deixam de viver as próprias vidas. São “propriedades”. Se tornam filhos escravos. Mais tarde, provavelmente tarde demais, irão perceber que o grande vazio de suas existências coincide com a realização de desejos que não eram delas. Depressão, solidão, angústia e a busca por soluções imediatas: antidepressivos, calmantes e outras esperanças que se engolem com água.
Em vez de filhos escravos, precisamos ensiná-los que viver é tornar real a si mesmo, realizar-se.
Isso não significa que serão egoístas, mas que saberão investir suficientemente em si para que então possam fazê-lo em prol de outras pessoas e causas sociais.
É necessário amar-se para então poder amar de verdade. Quem vive para realizar o desejo de outra pessoa não se ama. E, consequentemente, não sobra mais nada para ninguém.
Melhor mesmo é ensinar nossos filhos, desde pequeninos, a dar opiniões, a posicionar-se, dizer do que gostam e do que não. Isso é dar autonomia. A criança crescerá aprendendo a respeitar-se e a investir sua energia em tudo aquilo que a fará ser importante para si mesma e para a sociedade.
Há um provérbio chinês que diz: “O verdadeiro mestre é aquele que, com o passar do tempo, torna-se inútil”. Devemos ser pais assim. Agir como os sábios chineses que ensinam não apenas o que o discípulo deve fazer, mas como decidir sozinho quando o mestre não estiver perto. Pais sábios são aqueles que ensinam princípios, e não apenas a obediência. Valores, e não apenas regras. Não formam escravos, mas pessoas com autonomia, felizes por serem o que são.
E, na maturidade, iremos perceber que não somos mais necessários aos nossos filhos, mas nos tornamos seus eternos amigos.
Referências: criação, ensino, filhos, pais, autonomia.